Como as Adversidades são Úteis aos Pecadores, por São Cláudio de la Colombiére



É pela adversidade, cristãos ouvintes, que Ele coage os homens mais perversos a reentrarem nas suas boas graças; e que outra via mais eficaz para os levar a isso? A palavra de Deus, o uso dos sacramentos, as graças comuns podem manter na prática do bem os que se obrigam a eles, mas um homem sobrecarregado do peso dos negócios públicos e domésticos, uma mulher que vive nos prazeres, que é escrava da vaidade, um cristão, numa palavra, que envelheceu na sua impiedade e nas suas desordens, é necessário, senhores, é necessário que sofra ou que pereça.

Sei o quanto a palavra de Deus é eficaz, sei que ela é mais penetrante do que uma espada de dois gumes; mas todos os dias não vemos senão abundantemente que os homens lhe resistem e que ela não pode atingir até os corações empedernidos. Que não se há dito contra esse luxo espantoso que devora a substância assim dos pobres como dos ricos, contra esse jogo que consome impiedosamente um bem com que se poderia comprar o céu, esse jogo que nos arrebata um tempo que nos fora dado para ganharmos a eternidade? Que se não diz ainda hoje em dia contra esses desregramentos? Ai! Mas que é que produzem os nossos discursos no espírito dos jogadores de profissão, desses que gastam o mais possível em roupas? Uns esquecem-no um momento após, outros só se lembram deles para zombá-los; alguns até se ofendem com eles, e creem ter motivo para se queixar do pregador, porque ele disse da parte de Deus o que não podia calar sem trair a própria consciência e sem se tornar réu de perfídia. Que cumpre então faça o Senhor para fazer essas pessoas tornarem ao dever? Não há outro meio senão a indigência; há que reduzi-las à necessidade de trabalhar para fazer subsistir a família, e de revender, para viverem, aquilo que compraram para se enfeitar. Ide falar de oração e de retiro àquela mulher enamorada da própria beleza, tão vaidosa das atenções que se tem com ela no mundo; acreditais que ela seja capaz de apreciar os vossos conselhos ou sequer de ouvi-los? Para salvá-la, faz-se necessário que uma moléstia a desfigure, ou que uma esmagadora confusão a faça banir para sempre das companhias.

Que tempo escolhereis para exortar aquele rico, aquele voluptuoso, a se converter? Não está ele disposto a ouvir a palavra de Deus, e muito menos ainda a vos chamar a casa para tomar junto a vós, conselhos salutares. E quando o estivesse, como haveria um pensamento santo de encontrar lugar naquele espírito abarrotado dos seus negócios temporais? A própria graça, por insinuante que seja não acha abertura para lhe passar até o coração. Ó! Como há então, ó meu Deus, que desesperar daquela alma? A vossa sabedoria não tem então meio para retirá-la do precipício? O Senhor tem um meio, cristãos ouvintes, e este meio é o que Ele se serve sempre para reconduzir os eleitos seus que a prosperidade lhe arrebatou; esse meio é a adversidade, é a perda daquele processo, a morte daquele marido, daquele filho único, uma paralisia, uma gota violenta, uma febre maligna, um langor incurável, uma afronta insigne. Qual será o efeito dessa desgraça? Disporá aqueles homens à compunção por uma dor mortal, dar-lhe-á desgosto dos prazeres com que estava encantado, levá-lo-á a fazer reflexões sobre os desregramentos da sua vida que lhe atraíram a cólera de Deus; sofrerá que a gente de bem se lhe achegue, quando menos para consolá-lo. E como procurará por toda parte remédios para o seu mal, far-lhe-ão conhecer a causa deste, prepará-lo-ão para receber os remédios convenientes à moléstia de sua alma. Enfim, ver-se-á ele felizmente forçado a mudar de vida, ou pela impotência de perseverar no pecado, ou pelo desejo de deter o braço do Onipotente que pesa sobre ele.

Tudo isto nos faz ver suficientemente que, de qualquer modo que vivamos, deveríamos sempre receber a adversidade com alegria. Se somos bons, a adversidade nos purifica e nos faz melhores; enche-nos de virtudes e de méritos; se somos maus, se somos viciosos, ela nos corrige, força-nos a nos tornarmos virtuosos. Se em algum de nós não tem ela este feliz efeito, se há alguém que ela não transforme ou que torne ainda pior, é esse coração endurecido que tem razão de se afligir; essa resistência inflexível é de todos os indícios de reprovação o mais certo e o mais visível. Um cristão que vive mal e que Deus não castiga, deve tremer; e, se lhe resta ainda algum sentimento, deverá recear; mas um pecador que Deus castiga e que não verga aos seus golpes, pode-se ousadamente arrolá-lo entre os réprobos  e desesperar da sua salvação.

TRECHO DO LIVRO:

REFLEXÕES CRISTÃS: EXCERTOS.
SÃO CLÁUDIO DE LA COLOMBIÉRE.
ANO: 1684.

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