Cartas do Padre Jean-Pierre de Caussade Compiladas pelo Padre Pierre Chaignon, Autor do Livro: A Paz da Alma


Em seu livro: A Paz da Alma - Fruto da Devoção à Eucaristia e do Abandono à Providência, o Padre Pierre Chaignon, na segunda parte, compila vários escritos de Santos e Mestres da Vida Espiritual sobre o tema da Providência Divina. Nesta parte ele reuniu algumas cartas do Padre Jean-Pierre de Caussade, autor do livro: O Abandono à Providência Divina, republicado recentemente pelo clube do livro católico Minha Biblioteca Católica.

Abaixo está uma dessas cartas, onde ele dá valorosos conselhos:

Sacrifício que Deus exige a uma alma para formá-la à vida interior

Quando não tiverdes vagar nem gosto de ler, procurai manter-vos em paz na presença de Deus, e não vos deis trabalho procurando fazer outras práticas de sub-rogação, salvo se Deus vos der o movimento e a facilidade; e se vos parecer que vos falta coragem em muitas coisas, esforçai-vos por conservardes a determinação geral de consagração a Deus. Humilhai-vos vendo quanto esta vontade é pouco eficaz e considerai-vos como não tendo ainda feito coisa alguma; tanto menor for a confiança em vós, tanto mais fácil será depô-la em Deus e nos méritos de Jesus Cristo. Eis aqui a sólida e perfeita esperança que destrói o amor próprio e martiriza; e nada há mais salutar do que esse martírio, principalmente a respeito de certas almas.

Vós me dizeis que há sacrifícios que levam para Deus e outros que afastam d’Ele. Este sentimento é um erro que provém de julgarmos ordinariamente o bem e o mal, quanto à piedade senão pelos sentidos. Em certos sacrifícios, que não tocam o coração pelo lado sensível, encontramos um não sei de quê de consolador que nos leva para Deus naturalmente; mas naqueles que nos ferem vivamente o coração, como nos causam dor, perturbamo-nos e nos abatemos. A essa dor que nos causam tais sacrifícios junta-se então outro sofrimento muito penoso, isto é, o temos de sofrer mal sem mérito; e daí nasce a falsa persuasão que esses sacrifícios desviam de Deus. É, todavia, princípio incontestável que quanto mais nos tocam ao vivo os sacrifícios, tanto mais nos fazem morrer para nós próprios, nos desligam das criaturas, aproximando-nos de Deus e unindo-nos a Ele. Essa união é tanto mais meritória, quanto mais oculta e fora do alcance dos sentidos; e o amor próprio não tem aí parte alguma.

Queira Deus persuadir-nos de uma máxima tão consoladora, ensinada pelos doutores e confirmada pela experiência. Para bem compreender isso devemos lembrar-nos que em todos os homens há um tal fundo de amor próprio, fraqueza e miséria que não poderiam reconhecer um dom de Deus sem se exporem a alterá-lo e corrompê-lo pelas suas complacências imperceptíveis; apropriamo-nos assim das graças de Deus; nos comprazemos em tal ou tal estado; e nos atribuímos todo o mérito, não por pensamentos distintos e refletidos, mas pelos secretos sentimentos do coração. Mas como Deus penetra as dobras mais íntimas do nosso coração e como é infinitamente zeloso da sua glória; para conservá-la, precisa convencer-nos da nossa infinita fraqueza. É o que o leva a ocultar-nos todos os seus dons. 

Há só duas exceções a esta regra; os principiantes que têm necessidade de ser atraídos por estes dons sensíveis; e os grandes santos que à força de terem sido purificados do amor próprio, por milhares de provações interiores, podem conhecer em si as coisas de Deus sem a menor complacência ou perigo para eles. Posso dar testemunho a esta constante disposição da Providência. Deus por tal forma ocultou à maior parte das almas, que Ele encaminhou para mim, os dons e as graças com que as enchia que elas nem podiam ver o adiantamento nem a sua paciência, humildade, abandono e amor por Deus. Também não podiam elas muitas vezes abster-se de chorar por causa de presumida ausência destas virtudes, e da sua falta de generosidade nos sofrimentos; mas tanto mais estas almas se afligem e temem, tanto menos têm os diretores que temer afligir-se a seu respeito. Fénelon, disse quanto a este assunto: 

“Todo o dom eminente depois de ter sido meio de adiantamento pode tornar-se no futuro um laço e obstáculo pelos regressos à complacência que mancham a alma. Resulta daqui que Deus tira o que tinha dado, mas não o tira para privar para sempre; tira-o para dá-lo melhor depois de sermos purificados dessa apropriação maligna, que, sem nos apercebermos, fazíamos das graças de Deus. A perda do dom serve para expropriar-nos; depois de tirado, é restituído cem por um.” 

Conheço uma pessoa muito piedosa e penetrada desta grande máxima, a quem ouvi dizer por muitas vezes que depois de ter perdido por muito tempo e de fazer muitas novenas para obter estas graças puramente espirituais, disse para Deus: Consinto, Senhor, de ficar privada para sempre de saber se vos aprouve conceder-me estas graças porque sou tão miserável que todo o bem conhecido se transforma para mim em veneno. Não o quisera, Senhor; mas é tal a corrupção do meu coração que estas malditas complacências de amor próprio vêm conspurcar a pureza das minhas obras, ainda contra minha vontade. Sou eu mesmo, ó meu Deus, que vos ligo as mãos e vos forço a ocultar-me por amor de mim as graças que a vossa misericórdia me fazer. 

Tudo isto nos convencerá que não é por vingança, mas por bondade e misericórdia que Deus vos tira mais do que aos outros; Ele é mais zeloso de possuir todo o vosso coração e confiança. Não pensemos mais nos males presentes ou futuros: abandono, confiança e amor.

TRECHO DO LIVRO:

A PAZ DA ALMA - FRUTO DA DEVOÇÃO À EUCARISTIA E DO ABANDONO À PROVIDÊNCIA.
PADRE PIERRE CHAIGNON.
ANO:1882.
VERSÕES: KINDLE IMPRESSO

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